top of page
O-BREGA-SITE.png
texto-png-site.png
Desarmonia

DESARMONIA

POR ALDONES NINO

 

 

Em Desarmonia, o brega é declarado como uma sonoridade anti hegemônica, capaz de desarticular princípios da teoria musical e de fissurar hierarquias ordenativas de construção e encadeamento simultâneos. Vivendo entre Belém e Rio de Janeiro, PV Dias elabora travessias onde imagens que materializam interconexões convergentes e sobrepostas, evocando uma temporalidade curvilínea que, nas palavras da poeta e ensaísta Leda Martins, pode ser concebido como “um rolo de pergaminho que vela e revela, enrola e desenrola, simultaneamente, as instâncias temporais que constituem o sujeito”[1].

Esta exposição perpassa trajetórias que sofreram rejeição por parte da classe média e das elites por associação aos costumes e ao universo popular, ainda que consolidadas na indústria fonográfica nacional. A partir de citações de Falcão, PV aproxima o brega de um cristianismo primevo, a partir dos cantos litúrgicos que tinham sua melodia transmitida de forma oral e eram ordenados sem notação musical, ao mesmo tempo em que presta uma ode à memória de Rubens Mota, Wanderley Andrade e Pinduca. Reelaborado pelos dispositivos eletrônicos e virtuais, o tecnobrega e as aparelhagens originaram novos modos passíveis de serem experienciados coletivamente pela população jovem de Belém do Pará. Ao tensionar os complexos movimentos de narrativas territoriais e poéticas, a sonoridade torna-se um modo de produção afirmativa de autodeterminação, apontando como a historiografia dos gêneros musicais também necessita ser localizada frente aos estereótipos delirantes da dominação colonial e figurando as complexidades envolvidas entre tradições locais e modernidade global. Na sequência: A fauna futurista das aparelhagens de tecnobrega (2021), o Búfalo, o Crocodilo e a Águia evidenciam “elementos locais e globais, tendo na mediação realizada pelos objetos tecnológicos um ponto de referência a partir do qual se estruturam as categorias de pertencimento próprias da identidade juvenil bregueira”[2].

No tríptico Rasurando Fidanza (2021), as imagens criadas pelo fotógrafo português em 1868, abrem espaço para uma compreensão dos povos afro amazônico como produtores e detentores dos aparatos maquínicos de captura de imagem, invertendo a continuidade objetificada do corpo em exposição, concebendo ferramentas tecnológicas em prol da autonomia de criação e de distribuição. Conectando-se também com as ancestralidades amazônicas, sobrepondo cerâmicas da civilização Maracá, urnas superdimensionadas, como monumentos funerários que se impõem à paisagem. Próximo ao interesse apresentado pela teórica Jota Mombaça, que propõe “intensificar o interrogatório do pós-colonial rumo a uma ética posicionada contra as ficções de poder e atualizações da colonialidade na experiência ordinária dos dias”[3], vemos nos trabalhos reunidos, a contaminação entre paisagem, história, citações pessoais e coletivas, oferecendo possibilidades para a compreensão dos mais variados fenômenos. A série Festa Silenciosa (2020-2021) se ancora no presente, pensando nos modos de fruição e encontro impostos pela pandemia de covid-19 ainda em curso no Brasil, período que vem evidenciando cada vez mais os contrastes sociais entre as distintas regiões do país, atravessado pela metamorfose de experiências de coletividade dos ambientes virtuais. Tanto a instalação na vitrine, quanto as pinturas e imagens digitais de Desarmonia, consideram o contexto e a temporalidade difusa de paisagens e sonoridades da cultura brasileira, decupando assim, distintos signos e suas camadas comunicacionais.

____________

[1] MARTINS, Leda. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. In: Língua e Literatura: Limites e Fronteiras. Revista do Programa de Pós Graduação em Letras, n. 26 (Jun. 2003), p.75.

[2]PICANÇO, M. N. B. & LEISTNER, R. M. « Por entre os palcos da “Festa de Aparelhagem”: performances corporais, objetos tecnológicos e identidades juvenis “bregueiras” », Cadernos de Arte e Antropologia [Online], Vol. 7, No 1 | 2018, p. 78.

[3] MOMBAÇA, J. Não existe o pós-colonial! Disponível em <http://www.goethe.de/ins/br/lp/prj/eps/sob/pt16117914.htm>. Acesso em 30 de julho de 2021.

TOUR VIRTUAL

TOUR VIRTUAL DESARMONIA
O Crocodilo. O fauna futurista das aparelhagens de tecnobrega. 113 x152 cm. 2021.  Acrílic

OBRAS

O ARTISTA

PV Dias é um artista paraense que vive entre o Rio de Janeiro e o Pará, comunicólogo, mestrando em Ciências Sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e com formação pela EAV Parque Lage no programa Formação e Deformação do ano de 2019. 

 

Sua pesquisa pensa na estruturação das imagens de um território e em possíveis rasuras nessa estruturação.  Junto a essa frente, inicia-se também um trabalho sobre intervenções em violências coloniais dos lugares por onde o artista percorre captando registros, lugares que se dividem entre Amazônia e o sudeste do Brasil. Em sua pesquisa, olha também para movimentos estéticos populares que também partem desse norte geográfico brasileiro e neles se debruça para pensar os elementos audiovisuais que os constroem e os trajetos por eles tomados. De 2013 a 2015, participou da organização do Festival de Audiovisual de Belém. Em 2019 foi destaque na revista eletrônica VICE; Participou de exposição coletiva ‘Arte Naif: Nenhum Museu a Menos’, no Parque Lage, Rio de Janeiro, com curadoria de Ulisses Carrilho; Foi entrevistado pela Revista Dobra, de Portugal; Assinou a capa da antologia poética ‘Poesias para se ler antes das notícias’ da Revista Cult;  Integrou a uma exposição coletiva no espaço Caixa Preta, com curadoria de Rafael Bqueer. Também expôs no Instituto Goethe da Bahia, com curadoria do Tiago Sant'Ana e no espaço Pence, com curadoria de Silvana Marcelina.

foto pv.jpg

Em 2020, foi convidado para desenhar um desenho animado para o primeiro projeto de animação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Animam, também trabalhou junto ao instituto novaiorquino Creative Time. No mesmo ano, participou das exposições: Estopim e Segredo no Parque Lage, com curadoria de Ulisses Carrilho, Gleice Kelly e Clarissa Diniz; Como habitar o presente? Ato 1 – É tudo nevoeiro codificado na galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea; Casa Carioca no Museu de Arte do Rio, com curadoria de Marcelo Campos e Joice Berth, e Tá me vendo? Tá me Ouvindo? Narrativas do digital, na Casa Niemeyer, com curadoria de Ana Avelar. Em 2021, participou das exposições: Hábito/Hábitante, no Parque Lage, com curadoria de Ulisses Carrilho; Modo Contínuo, na galeria Simone Cadinelli Arte contemporânea; Inundada, na qual foi premiado, no Museu D’Água, com curadoria de Henrique Montagne; Arte como Trabalho, com curadoria de Carolina Rodrigues, João Paulo Ovídio, Luana Aguiar e Priscila Medeiros.  

 

Possui obra nas Coleções do Museu de Arte do Rio - RJ, Casa Niemeyer – UNB e Museu D’Água -PA.  

bottom of page