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Em “Maraca”, Gabriela Noujaim apresenta quatro trabalhos inéditos que comentam a interligação entre os desequilíbrios ecológicos e a exploração humana dos recursos naturais comuns. Após a ocorrência das chuvas intensas que caíram na cidade do Rio de Janeiro entre os meses de março e abril de 2019, a artista se sentiu provocada a anexar a ação coordenada dos elementos água, fogo, terra e ar em seus processos artísticos.

Esta pesquisa multidisciplinar acompanha as narrativas científicas na arte contemporânea que comentam o Antropocenocomo assunto central para descrever a época geológica em que nos encontramos hoje; e na qual os seres humanos foram reconhecidos como causadores dos constantes impactos no meio ambiente, nutrindo um campo de forças entre as noções de destruição e conservação.

Dessa maneira, a artista cria um alerta sobre o modelo de consumo e de descarte, sua relação com as mudanças climáticas e os horizontes conflitantes que se avistam a partir dos reflexos da não preservação dos bens naturais.

Tal endereçamento se deve em grande parte aos anos de colaboração e experiências trocadas entre Noujaim e os indígenas da Aldeia Maracanã referenciados nos trabalhos numa tentativa de resgatar e divulgar os saberes ancestrais dos povos originários; guardiões da preservação das florestas e da vida em coletivo.

O título da exposição também coloca em evidência a cultura ritual das diversas etnias indígenas que vivem sob a ameaça do enfraquecimento das leis e políticas públicas que defendem seus direitos; é o caso das demarcações de terras. O maracá é o chocalho feito de cabaças, recheado com sementes e que pode ter nome diferente para cada povo. A ferramenta tem função em cerimônias de cura e limpeza pelas mãos dos pajés, e também nas danças.

A artista situa sua prática na interseção entre arte e ativismo, e explora os interesses cinemáticos, a coleta do som e a experiência cênica da instalação como meio para comunicar as camadas de significados contidas nos seus trabalhos.

Na videoinstalação “Água” as imagens do degelo2 nas regiões mais frias do globo terrestre são uma das demonstrações mais reconhecidas do impacto das atividades humanas na era do Antropoceno. Aqui os cacos de espelho no chão são a representação e o reflexo dessa ruína. Na justaposição do vídeo as ondas do mar de São Conrado filmadas pela artista, mixadas com imagens capturadas e cuidadosamente selecionadas na internet, soam como marcadores conceituais do crescimento da temperatura no planeta e da elevação do nível das águas de mares e oceanos.

No vídeo “Terra”, as mãos da artista estão estampadas pela geometria do grafismo indígena, simulando o movimento ofídico até que sua imagem entra em simbiose com a floresta, numa metáfora que afirma a resiliência dos vários povos indígenas na defesa e no uso consciente da terra.

Em “Ar”, é denunciada a prática de apagamentos históricos e o desprezo dos governos pelas políticas públicas para a ciência, a cultura e patrimônio; neste trabalho a artista faz menção ao Museu Nacional destruído em um incêndio em setembro passado.

Já na performance registrada em “Fogo” a brincadeira de manejar o tempo e a dor sugere o amor como método para alertar a sociedade sobre os excessos praticados pelo modelo político e econômico experimentados hoje. Neste contexto, a artista pergunta: por quem, ou pelo quê, você colocaria as mãos no fogo?

A exposição também revigora assuntos já tratados anteriormente na carreira da artista que vem produzindo trabalhos motivada pelo legado das práticas feministas3 em arte ao tratar o corpo feminino, territórios de disputa, a reprodução de imagens, e a revisão de narrativas históricas na história da arte.

Preocupada com o potencial da arte para nos ajudar a imaginar outros mundos e futuros, as noções de permanência e risco reveladas por Gabriela Noujaim em “Maraca” apresentam um documento do mundo de agora e dos anos que estão por vir.

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1 FERRÃO, J. “O Antropoceno como narrativa: uma lente útil para entender o presente e imaginar o futuro?”. Biblos, [S.l.], n. 3, p. 205-221, mar. 2018. ISSN 2183-7139. Disponível em: <https://impactum-journals.uc.pt/biblos/article/view/5438>. Acesso em: 31 jul. 2019.

 

2 REISS, J. “Terra incognita: exhibiting ice in the Anthropocene”. In: Art, Theory and Practice in the Anthropocene. Wilmington, DE: Vernon Press, 2019. P. 77-86.

3 de ZEGHER, C. Introduction. In: ARMSTRONG, C.; de Zegher, C. (Org.). Women Artists at the Millennium. Cambridge, MA: The MIT Press, 2006. P. XV.

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Dados recentes mostram que desde 1980 o manto de gelo do Ártico diminuiu em 50%² e está agora em uma baixa histórica. As imagens do degelo nas regiões mais frias do globo terrestre são a figuração mais reconhecida do impacto das atividades humanas na era do Antropoceno. Aqui, os cacos de espelho no chão são a representação e o reflexo dessa ruína. Na justaposição do vídeo, as ondas do mar de São Conrado filmadas pela artista e mixadas com imagens capturadas e cuidadosamente selecionadas na internet, soam como marcadores conceituais do crescimento da temperatura no planeta e da elevação do nível das águas de mares e oceanos. 
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 ² S. Borenstein, “Arctic Ice Shrinks to All-Time Low; Half 1980 Size,” Phys.org, September 19, 2012, https://phys.org/news/2012-09-arctic-ice-all-time-size.html.

ÁGUA

Aquário | 2019 
Vídeo instalação
Editor: Gabriela Noujaim
Duração: 8’
Obra única

TERRA
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A terra é onde acontecem as caminhadas; as cerimônias; onde se dão as trocas e a manutenção da coletividade. De acordo com o Censo 2010 do IBGE1 , a população indígena no país atualmente soma 896,9 mil indígenas. Sabe-se que cerca de 300 mil estão distribuídos em núcleos urbanos como é o caso da multiétnica Aldeia Maracanã, no bairro Maracanã, que tem como uma de suas lideranças José Urutau Guajajara que anima o canto e movimenta a maracá neste ritual. No vídeo, as mãos gravadas de Gabriela Noujaim simulam o movimento ofídico e sua imagem entra em simbiose com a floresta numa metáfora que afirma a resiliência dos vários povos indígenas na defesa e no uso consciente da terra.  

 
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¹Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/politica-indigenista?start=4# 

Maraca | 2019 
Vídeo
Editor: Frederico Pellachin
Duração: 2’10”
Áudio: canto José Urutau
Edição: 1/2 + 1 PA

AR
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A observação dos ventos movimenta um estudo minucioso sobre troca das estações do ano, dos períodos de plantio e colheita, assim como a medição das marés. Os povos originários entendem o vento como um relógio; guiam-se a partir dele. Em 2 de setembro de 2018, um incêndio devastador consumiu grande parte da coleção do Museu Nacional – um acervo que contava com 40 mil peças de muitos povos indígenas do Brasil. Em mais uma colaboração com Zé Urutau, no vídeo a artista apresenta uma denúncia sobre apagamentos históricos e o desprezo dos governos pelas políticas públicas para a ciência, a cultura e patrimônio. A partir da anedota ouvida pela artista, se questiona: caso os bombeiros tivessem consultado lideranças indígenas sobre a direção dos ventos antes de direcionarem os jatos d’água, teria o fogo durado menos tempo no casarão da Quinta da Boa Vista?

Cortina de Fumaça | 2019 
Vídeo 
Editor: Antônio Pimenta
Duração: 2’10” 
Áudio: canto José Urutau 
Edição: 1/2 + 1 PA

FOGO
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Tecnologia cuidadosamente usada por diferentes comunidades indígenas e com distintas finalidades, o fogo tem uso na preparação da terra para o plantio, na atração de animais para a caça e na comunicação com os bons espíritos. Aqui, em uma interpretação livre sobre a manipulação das queimadas, a artista tenta controlar a chama estabelecendo um jogo de confiança entre poder e desejo. Na performance, a brincadeira infantil de manejar o tempo e a dor sugere o amor, inscrito na própria mão da artista, como método para alertar a sociedade sobre os excessos autorizados pelo modelo político e econômico que experimentamos hoje. Por quem, ou pelo quê, você colocaria suas mãos no fogo?    

O Fogo | 2019 
Vídeo
Editor: Gabriela Noujaim
Duração: 2’10”
Edição: 1/2 + 1 PA

 

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